quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A minha visão sobre o caso Saramago

Antes de mais devo dizer que vi o debate e o que agora vou escrever é em parte relacionado com o que ouvi mas a maior parte já o havia pensado antes e já o tinha discutido com pessoas nestes dias.

Em primeiro lugar vou só dizer que a maior parte das reacções das pessoas é totalmente infantil e penso mesmo que paradoxal. Partindo do princípio que elas acreditam na liberdade de expressão essas pessoas têm que saber que liberdade de expressão não serve só para dizermos e ouvirmos ideias com as quais concordamos. Isso é formatação, homogeneidade, mas de certeza absoluta que não é liberdade de expressão. Por isso é que há pessoas hoje em dia a dizer que no tempo de Salazar havia liberdade. Pois claro que havia: era a liberdade de papeguear o que se dizia que se devia papaguear. E como havia pessoas que de facto faziam isso acham-se muito livres naquela altura. Adiante...

Em segundo lugar devo dizer que gostei muito da postura de ambos os intervenientes, mas obviamente que não gostei mesmo nada do tempo dado para o debate. Acho a questão levantada pertinente, mas mais pertinente ainda é a troca de ideias que poderia resultar muito bem. Seja como for, foi o que temos e há que apontar a extrema simpatia com que ambos se trataram (só tenho tempo que tantos dos raciocínios do padre tenham sido cortados a meio).
Também há que indicar um comentário feito pelo Mário Crespo que me pareceu muito pertinente: A reacção negativa que tem surgido parece que se deve mais ao que disse Saramago do que propriamente pelo que escreveu Saramago.
Outra coisa que me parece relevante é o respeito com que o padre tratou Saramago ao longo de todo o debate ao contrário de muitos sabichões que para além de dizer que Saramago estava mal nunca disseram porquê. Isto de discutir ideias raramente é uma raridade pelo que vejo.

Agora devo dizer que algo que o padre disse me fez muita confusão. Segundo me pareceu ele afirmou várias vezes (ainda que nenhuma das vezes de forma explícita) que a Bíblia não é a palavra de Deus. A vez que me pareceu a mais clara (não confundir com explícita) foi a explicação que ele deu para Job. Pelo que sei muita gente da igreja católica não vai por esta visão e diz que a Bíblia é a palavra de Deus.
É que de acordo com a posição que me pareceu ser a do padre este debate perde muito do seu valor. Se a Bíblia não é a palavra de Deus não se pode deduzir nada acerca da Natureza de Deus da sua leitura. E não se pode mesmo.

E sobre o debate é mais ou menos isto que tenho a dizer.

Agora para as minhas ideias sobre a Bíblia que já tinha antes disto acontecer e já tinha discutido com algumas pessoas e agora com isto tudo voltei a discutir.
Como termo de comparação vou utilizar esta notícia cedida pela lusa em que estão algumas das declarações de Saramago.

Agora seguem-se alguns excertos e comentários da minha parte:

“Todo este alvoroço não se levantou por causa do livro”, explicou, “mas por causa de palavras que eu disse em Penafiel. Mas a verdade é que na Bíblia há incestos, violência de todo o tipo, carnificinas, etc. É uma verdade inquestionável”
Sim de facto é uma verdade inquestionável que todo este tipo de situações está descrita na Bíblia. Pelo que li e ouvi de Saramago parece-me que o que ele disse foi só isso: que na Bíblia há descrição de inúmeras atrocidades. E se por esse mundo fora alguma pessoa se afronta com isso muito sinceramente não sei o que dizer. Só posso sugerir uma leitura da Bíblia e não precisa mais que 20 minutos para se deparar com essas situações.
Agora uma coisa que Saramago nunca disse é que para além de descrição de violência a Bíblia também contém a exortação e a glorificação da violência. Novamente se alguém se choca com isto só posso recomendar uma leitura atenta da Bíblia e nem sequer tem que ser muito atenta.

“Não haveria este romance se o episódio de Caim e Abel não estivesse na Bíblia onde mostra a crueldade de Deus. Um Deus rancoroso, vingativo e má pessoa. Não há que ter confiança no Deus da Bíblia”
Aqui Saramago erra. Deus a existir não pode ser má pessoa nem nós podemos saber se podemos avaliar Deus segundo os nossos padrões morais.

"Quando escrevi o livro, não sou ingénuo, sabia que ia agitar algumas águas. O que eu não esperava era isto. Não esperava reacção dos católicos porque os católicos não lêem a Bíblia. As próprias sondagens o dizem. Pensava que os católicos deixassem passar, que isto não era com eles. E neste caso isso foi a grande surpresa, em alguns aspectos lamentável mas noutros positiva, porque mostra que Portugal ainda é capaz de se mexer para protestar e criticar e isso é saudável”
Aqui acho que há que louvar o desportivismo de Saramago que exorta as pessoas a criticar. Mas temos que ficar enternecidos com a ingenuidade de Saramago. Meu caro
(sim porque o Saramago está mesmo a ler o que eu escrevo) é exactamente por as pessoas não lerem a Bíblia que comentam e ficam ultrajados como ficaram (basta comparar a reacção que teve o padre durante o debate com o que se tem podido ler e ouvir nos media sobre esta questão). Quem não lê a Bíblia é que a vai defender com unhas e dentes. Quem leu a Bíblia tem a reacção que teve o padre. De tentativa de diálogo e de explicar a sua posição. Quem não leu a Bíblia pensa que sabe o que lá está porque houve outras pessoas que também não leram a Bíblia a falar sobre o que lá está e repete o que ouve sem qualquer sentido crítico.
Quem de facto lê a Bíblia sabe que ao contrário do que se diz a descrição de violência não é exclusiva do Antigo Testamento. Quem de facto lê a Bíblia sabe que a exortação da violência, que a glorificação da violência não são exclusivas do Antigo Testamento. Quem de facto lê a Bíblia sabe que da boca (que nos dizem ser) de Jesus Cristo saem palavras que nada têm de conciliatórias nem são sobre o amor.
Se duvidam apenas posso pedir que leiam o novo testamento e depois cá voltem para uma discussão.

Para suportar estas afirmações minhas vou só deixar alguns extractos da Bíblia que segundo me parece confirmam aquilo que disse juntamente com comentários meus.

Vou começar com dois dos Dez Mandamentos cujo texto retiro daqui:

Eu sou YHWH, teu Deus [Elo.hím], que te fiz sair da terra do Egito, da casa dos escravos. Não terás outros deuses em desafio a Mim [o Deus de Abraão]. Não farás imagem esculpida [em hebraico péshel], referindo-se a ídolos, nem semelhança alguma do que há em cima nos ceús, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não adora-las-á, nem prestar-lhes-á culto, por que eu, YHWH, teu Deus, sou Deus zeloso ["Deus que exige devoção exclusiva" ou "Deus ciumento"; em hebraico El qan.ná e em grego Theós zelotes], e que puno o erro dos pais nos filhos até sobre a terceira geração e sobre a quarta geração dos que me odeiam, mas que uso de benevolência para com até a milésima geração dos que me amam e que guardam os meus mandamentos.
Primeiro que tudo gostaria de saber o que sente a igreja católica sobre a parte de se não fazer imagens esculpidas que serão idolatradas. Depois queria apontar a natureza claramente parcial de Deus. Por último deixo esta questão: Imaginemos que o Bernardo é um homem de bem e ama Deus e guarda todos os seus mandamentos. Assim sendo toda a descendência de Bernardo até a milésima geração será tratada com benevolência. Mas Bernardo tem um filho chamado Miguel que em nada honra Deus. Assim sendo até à sua quarta geração a descendência de Miguel deve ser punida. Se Miguel tiver um filho qual será o tratamento que deus lhe reserva?

Não cobiçarás [em hebraico, lo thahh.módh] a casa do teu próximo, nem a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu touro, nem seu jumento, nem qualquer coisa que pertença ao teu próximo..
Ou seja o que é errado é cobiçar o escravo do próximo (algumas versões utilizam a palavra servo, mas não me parece que é necessário ser-se teólogo para perceber que servo não tem a acepção que hoje lhe damos) e não o facto do próximo ter escravo.

Daqui saltamos para o Novo Testamento e gostaria imenso que alguém me explicasse o que quer Jesus dizer com isto:
“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”
O que é isto? É chantagem? É uma ameaça? É um simples aviso? Mas mais importante que isto: Afinal a alma é imortal ou não?

"Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim."
Ou seja, temos Jesus a negar que veio em paz. A afirmar que vem para trazer uma espada (por favor poupem-me à interpretação da espada como sendo simbólica) e que vem para separar famílias. Se não soubesse quem diz isto eu diria que sai da boca do anti-Cristo.

"Então chegaram a Jesus uns fariseus e escribas vindos de Jerusalém, e lhe perguntaram: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos, quando comem. Ele, porém, respondendo, disse-lhes: E vós, por que transgredis o mandamento de Deus por causa da vossa tradição? Pois Deus ordenou: Honra a teu pai e a tua mãe; e, Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: Qualquer que disser a seu pai ou a sua mãe: O que poderias aproveitar de mim é oferta ao Senhor; esse de modo algum terá de honrar a seu pai. E assim por causa da vossa tradição invalidastes a palavra de Deus. Hipócritas!"
Os fariseus censuram Jesus devido ao facto de os seus discípulos comerem de mãos sujas e vemos Cristo a censurar os fariseus porque este não matam as crianças que desonram os pais. E quero só dizer que para uma criança desonrar basta que esta seja desobediente. Novamente não me parece que este seja o Cristo redentor e amigo de todos que nos é apresentado.

A meu ver em vez de escrever sobre o Corão num próximo livro, Saramago deve é ler o Novo Testamento que lá tem material mais que suficiente para usar do seu direito à dissidência.

7 comments:

maria disse...

não me escandalizei. A chave de leitura da Bíblia atravessa o AT e o NT.

Jesus não ecreveu texto nenhum. As comunidades que escreveram eram formadas no judaísmo. Socorrem-se dos textos do AT para dizer que Jesus é o fruto das promessas de Deus. E tudo isto já foi há dois mil anos. Pretender ler o NT como se fosse um texto acabado de sair da redacção é mais uma vez simplificar.

mc - www.jardimdeluz.blogspot.com/

ateixeira disse...

Ajude-me a não simplificar então. Deixei algumas questões no que escrevi. Poderia dar algumas respostas.

maria disse...

Começo então por uma. Sou crente católica, não se admire, portanto, que cite uma ou outra vez a Igreja Católica nos seus ensinamentos:

Para começar respondo à sua dúvida sobre o que CN acha ou não que a Bíblia é Palavra de Deus.

Na definição oficial da Igreja a Bíblia é o livro Sagrado. É a Palavra de Deus.

CN não contraria isto, apenas explica que o texto sagrado não foi "soprado" palavra por palavra da boca de Deus. As narrativas bíblicas são a história de um Deus que se quer fazer encontro com os homens e a história de um povo que se descobre salvo e criado por esse mesmo Deus.

A Bíblia é revelação de Deus em todas as suas páginas. Revelação que respeita a capacidade dos homens para a acolherem. E o que de modo tantas vezes cruel, desesperante e até irónico se descobre é que os homens são ao longo de toda a história da humanidade de compreenção muito lenta.

"Aqui Saramago erra. Deus a existir não pode ser má pessoa nem nós podemos saber se podemos avaliar Deus segundo os nossos padrões morais."

Esta sua frase ilustra muito bem o nível da discussão à volta deste tema: Deus.

Considerar Deus pessoa à nossa imagem e semelhança é considerar de forma muito cabal que Deus só pode ser à nossa medida e tamanho.

Poderia ser alguma vez? Acho que não. Jamais pode ser o Homem criador de Deus.

“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”

"O que é isto? É chantagem? É uma ameaça? É um simples aviso? Mas mais importante que isto: Afinal a alma é imortal ou não?"

Para perceber um pouco este "aparente" dito de Jesus (sim, porque mais uma vez lembro que Jesus não escreveu nada, mas as primeiras comunidades é que o fizeram, depois de anos de tradição oral) é preciso lembrar o contexto histórico da Palestina há dois mil anos atrás e o domínio romano a juntar a injustas condições impostas pelos senhores do Templo e do tempo. A pregação de Jesus é uma pregação de libertação, portanto, nunca poderia ser de chantagem.

Há muito que não se apresenta mais a divisão - alma/corpo - tradição grega. O Homem é corpo e alma. Ou corpo e espírito. Quem acredita na ressurreição, acredita que a pessoa que se é, ressuscitará um dia. A morte é o meio para se viver eternamente.

E fico por aqui, porque temo estar a alongar-me neste seu espaço.

ateixeira disse...

Muito obrigado pelas respostas e não tenha medo de se alongar que eu quero mesmo ler tudo o que tem para dizer.

"Esta sua frase ilustra muito bem o nível da discussão à volta deste tema: Deus.

Considerar Deus pessoa à nossa imagem e semelhança é considerar de forma muito cabal que Deus só pode ser à nossa medida e tamanho.

Poderia ser alguma vez? Acho que não. Jamais pode ser o Homem criador de Deus."
Então parece que concordámos. A meu ver Deus tem que necessariamente ser radicalmente diferente de nós e querer julgá-lo segundo os nossos padrões é errado. No entanto discordo com a sua última frase. O Homem pode efectivamente criar Deus. Ou dito de outra forma: é bastante possível que Deus não exista e seja fruto da necessidade de busca de sentido da humanidade.

"Na definição oficial da Igreja a Bíblia é o livro Sagrado. É a Palavra de Deus.

CN não contraria isto, apenas explica que o texto sagrado não foi "soprado" palavra por palavra da boca de Deus. As narrativas bíblicas são a história de um Deus que se quer fazer encontro com os homens e a história de um povo que se descobre salvo e criado por esse mesmo Deus.

A Bíblia é revelação de Deus em todas as suas páginas. Revelação que respeita a capacidade dos homens para a acolherem. E o que de modo tantas vezes cruel, desesperante e até irónico se descobre é que os homens são ao longo de toda a história da humanidade de compreenção muito lenta."
Cara MC eu sei bem que a Bíblia foi escrita durante um largo período de tempo e acho que toda a gente sabe isso por isso não é necessário estar constantemente a referi-lo. Mais do que isso para as perguntas que fiz não interessa nada se a Bíblia foi escrita num segundo ou num milhão de anos. Interessa apenas se de facto é ou não a palavra de Deus. E se está livre de erro ou não.
Mas explique-me a mim que sou de compreensão lentíssima: se a Bíblia é de facto a palavra de Deus como pode conter erros? Como pode estar pejada de contradições? Quererá isto dizer que somos nós que não sabemos ler o que lá está escrito? Ou será que quem escreveu não ouviu bem o que lhe estava a ser dito?
Devo também dizer-lhe que o segundo parágrafo do texto que cito é incompreensível no que diz respeito à primeira frase e o primeiro período da segunda frase. Gostava que se tivesse tempo explicasse a mesma ideia por outras palavras.

ateixeira disse...

"Para perceber um pouco este "aparente" dito de Jesus (sim, porque mais uma vez lembro que Jesus não escreveu nada, mas as primeiras comunidades é que o fizeram, depois de anos de tradição oral) é preciso lembrar o contexto histórico da Palestina há dois mil anos atrás e o domínio romano a juntar a injustas condições impostas pelos senhores do Templo e do tempo. A pregação de Jesus é uma pregação de libertação, portanto, nunca poderia ser de chantagem.

Há muito que não se apresenta mais a divisão - alma/corpo - tradição grega. O Homem é corpo e alma. Ou corpo e espírito. Quem acredita na ressurreição, acredita que a pessoa que se é, ressuscitará um dia. A morte é o meio para se viver eternamente."
Deixe-me dizer-lhe que nem você nem ninguém sabe se Jesus escreveu alguma coisa ou não. Agora o que todos nós sabemos (se calhar estou a ser optimista nesta minha assumpção) é que nenhum texto com autoria irrefutável de Jesus nos chegou. E se ler com atenção o que eu escrevi verá que eu disse isto:"Quem de facto lê a Bíblia sabe que da boca (que nos dizem ser) de Jesus Cristo saem palavras que nada têm de conciliatórias nem são sobre o amor." Então dizer ou me seguem a mim ou terão os vossos corpo e alma destruídos não é chantagem? Acho que no mínimo dos mínimos é um aviso bastante severo.
Haver a divisão espírito/corpo ou não é totalmente irrelevante para a pergunta que fiz. O que interessa é que se diz que a alma é imortal e no entanto nesta passagem Jesus diz que Deus tem o poder de matar as almas. Claro que eu pergunto: "Então em que ficamos?"

O negrito não estava na frase original mas quis acentuá-lo agora. Ou seja eu próprio coloco a possibilidade de essas palavras não serem de Jesus (ainda que implicitamente). Apesar de não ser um especialista na matéria considero-me razoavelmente bem informado sobre o contexto histórico da maior parte do que se passa na Bíblia. Mas o que MC tem que saber se já não sabe é que esta mania de querer racionalizar tudo o que está na Bíblia, de querer contextualizar tudo o que está na Bíblia é razoavelmente recente e a meu ver é também bastante desonesta a nível intelectual. Esse jogo de palavras que a Bíblia é a palavra de Deus e depois querer desculpar tudo o que lá está de mau com contextualização é um péssimo jogo de semântica.

E já que é católica deixe-me colocar algumas questões:
O que acha dos 10 mandamentos. São de facto a palavra de Deus ou devemos exercer novamente o jogo da contextualização? Vou assumir que de facto são a palavra de Deus e devem ser seguidos à risca. Neste caso como conciliar muitas das práticas da Igreja Católica com o que é dito no primeiro mandamento? E relativamente ao outro. Porque é que que Deus que criou todos os homens iguais não se lembrou de dizer que a escravatura é a refutação desse conceito?
O que acha de baptizar bebés e crianças? Quando se diz que o primeiro passo para o baptismo é o arrependimento?

maria disse...

Então continuemos...:


Acho curioso que, crentes integristas e ateus, fiquem escandalizados por haver crentes que a par da fé, usem também da razão. Tenho tido muitos confrontos com estes dois grupos por causa disto. Os integristas até compreendo, por que para eles só é possível uma fé que não interrogue. Sobre os ateus não consigo descortinar a razão para tal.

"Interessa apenas se de facto é ou não a palavra de Deus. E se está livre de erro ou não."

É preciso entender de que modo é Palavra de Deus. Não é por que Deus estivesse em contacto directo com os redactores. A Bíblia antes de ser palavra escrita é uma longa tradição oral, que os autores por diferentes motivos (alertar as comunidades, consolar, corrigir, ensinar)puseram a escrito.

De Jesus Cristo diz-se que é Palavra de Deus, por excelência. Por que pelo seu modo de agir era comunicação da vontade do Pai. (Peço desculpa se isto fica demasiado teológico. Mas posso esmiuçar).

Cada redactor(s) (prefiro a autor), escreve o que crê ser a vontade de Deus, mas segun do a sua compreensão e vivência.

Encontramos nos textos bíblicos coisas que, na comtemporaneidade, são graves atentados aos direitos humanos. Mas a Bíblia (volto a repetir) expressa a caminhada de um povo, com avanços, recuos, erros, infidelidades. Gosto particularmente da caminhada (a tal metáfora dos quarenta anos) desde o Egipto até à Terra Prometida, conduzida por Moisés. É bem ilustrativa daquilo que é o caminhar da humanidade e de cada indíviduo.
Também é notório na Bíblia duas correntes muito fortes. A sacerdotal, com normas, leis e preceitos. E a corrente laica, digamos assim, que põe a entoação mais no coração, nos afectos e na confiança em Deus. Jesus Cristo estava situado nesta segunda linha.

Depois disto ainda considera importante saber se há ou não erros na Bíblia?

maria disse...

É uma tentação das pessoas que, como eu, lêem a Bíblia com uma "chave de leitura" de anularem as contradições, os erros que a mesma contém. Todos os estudos sobre a Bíblia, não anulam que a mesma tenha de(para se fazer dela Palavra de Deus) se dar o tal "salto no escuro" que é a fé. Toda a racionalidade possível não pode fazer nascer a fé, nem tem explicação total para a mesma.

Não sabemos se Jesus escreveu alguma coisa. Mas aos estudiosos da Bíblia tal não parece provável. Ele não pensava na sua missão como algo para a posteridade (daí não haver necessidade de nada escrito), mas uma acção muito concreta para o seu tempo.

Por isso lhe digo, que é muito provável que o dito que cita, como sendo proferido por Jesus, é uma interpretação da comunidade na linha dos motivos que escrevi acima.

Jesus era dócil, capaz de se comover, mas também capaz de ser duro e inlexível com os que não usavam de misericórdia para os demais. Jesus não estava preocupado com o Templo e as suas leis, mas com a pessoas concretas, sobretudo as que eram excluídas do mesmo.

Não sei se Deus tem o poder para matar as almas. Dos textos bíblicos também se tira que ele ama incondicionalmente. Logo, não quer a morte de ninguém.

Não são todos os erros da Igreja Católica - e são muitos - que podem pôr em causa aquilo que é um bem para todos os homens. Os mandamentos não são para dignificar Deus, mas aos homens. É para bem dos homens que se ama e louva a Deus, que se honra os familiares e amigos (se formos capazes os inimigos também) que se descansa, que se não mente nem rouba etc.

Por exemplo, no que aos mandamentos sobre a sexualidade diz respeito, qualquer crente esclarecido sabe que, o que tem de fazer é ser responsável nas opções que nessa matéria toma. E isto naõ quer dizer que tanto nesse como noutros não falhe e erre.

Sobre o baptismo de crianças: tenho duas opiniões contraditórias. ;)

Tenho duas filhas que baptizei em crianças, eu também o fui. Não acho que errei por fazê-lo. Se fosse hoje, acho que não o faria.

Preferia que a Igreja acabasse com os baptismos de crianças.

Durante muitos anos trabalhei na Igreja na formação de crianças e jovens. E eram autênticos pagãos. A tradiçaõ é que os movia, não a fé. Acho que das centenas que passaram por mim, talvez tenha ficado uma dezena. E estou a ser optimista. Quando têm filhos voltam com eles, mas é na mesma linha de manutenção da tradição.