sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Escrevi isto noutro sítio, mas como não o publiquei lá faço-o aqui

Ainda sobre o nobelizado Obama escrevi isto noutro lado como resposta a este texto:

"A única coisa que não foi dita é a óbvia: as pessoas dão uma grande importância aos prémios Nobel. Discutem-nos como se fossem prémios atribuídos por toda a raça humana. Quando se desiludem com uma escolha, sentem-se traídos. Dá sempre a ideia que há uma raivinha de não terem sido consultados.
Os prémios Nobel são prémios como outros quaisquer. (...) Só porque dão mais dinheiro do que outros - dinheiro que cresceu graças à invenção da dinamite, esse poderoso químico da paz -, não quer dizer que sejam mais importantes. É um prémio concedido por cinco gajos e gajas que não conhecemos de parte nenhuma, nomeados pelo Parlamento norueguês. Toda a gente adora a Noruega, mas calma aí no alvoroço. São cinco incumbidos, coitados. E todos os anos fazem o melhor que podem.

Deixem-nos estar. Reagir como se esses cinco louros representassem a humanidade é representar mal a humanidade. Todos os prémios Nobel são prémios tão banais como os outros prémios. Que lindo seria se só pudéssemos ler os escritores que ganharam o prémio Nobel ou o da Dyrup, se tiver um
.
"

Já os Monty Python disseram e muito bem num sketch o que é um argument e como se deve proceder ao longo de um para de facto estarmos num argument. Já algumas vezes também aqui falei de algumas falácias que se podem cometer aquando de um argumento. Falácias que se podem cometer de modo involuntário porque de facto pensamos que o que vamos dizer é relevante e relacionado com o assunto em mão, ou falácias consciente que cometemos com vista a confundir a outra pessoa e/ou ganhar a discussão.

Uma boa maneira de alcançarmos esse objectivo é atacarmos quem tem uma posição em vez da posição (ad hominem). Dessa forma levamos subtilmente a discussão para outro nível e o que deveria de facto ser discutido deixa de o ser. Outra maneira também muito frequente de incorrermos em falácias é escorregarmos na negação do antecedente ou na afirmação do consequente. Aqui o que se passa é que de facto não compreendemos que se está a discutir um argumento condicional e assim tomámos conclusões absurdas. Por exemplo: Está numa esquina a espera do Juan e a única coisa que sabe do Juan é que ele fala espanhol. Ou seja o argumento condicional é: Se for o Juan fala espanhol. Admitamos que alguém se chega ao pé de si e pergunta-lhe as horas em espanhol. O que pode concluir? Se respondeu Juan acabou de cair na falácia da afirmação do consequente. Uma vez que nunca se disse que o Juan é a única pessoa que fala espanhol não se pode concluir absolutamente nada naquela situação.


Outra forma de incorrermos num argumento falacioso é o chamado straw man argument. Neste caso o que se faz é imputar uma posição ao nosso adversário (perdoem a terminologia) que não é a dele e depois argumentarmos contra isso.
Por exemplo dizer que quem discute a atribuição do Nobel da paz é fazê-lo como quem discute um prémio que representa toda a raça humana é extremamente falacioso. O pior é que também é extremamente eficaz. Dessa forma o objecto sobre o qual se queria argumentar foi totalmente alterado. Se alguém de facto dissesse que o Nobel representa a opinião de toda a humanidade estava errado. O que o prémio Nobel representa (ou pelo menos deveria representar) é o que está expresso no testamento da pessoa que definiu o que é o prémio Nobel: o senhor Nobel.
vamos então ler o que o senhor tem a dizer: "and one part to the person who shall have done the most or the best work for fraternity between nations, for the abolition or reduction of standing armies and for the holding and promotion of peace congresses."
E é segundo este parâmetro que a discussão tem sido feita. Pelo menos da minha parte e da maior parte das pessoas que li. Nunca ninguém disse que o Nobel deve ser representativo da opinião geral da humanidade (seja lá o que isso for), mas parece ser bastante sensato que deveria respeitar a vontade da pessoa que o criou. Se Nobel quisesse premiar o macaco mais energético do mundo e dissesse que o vencedor de tal prémio tinha ganho o Nobel da Paz estava no seu perfeito direito. Mas não foi isso que ele disse. Ele deixou condições bem específicas para a atribuição do dito prémio e muitas vezes elas não foram respeitadas. Começa com o Wilson e depois temos o caso do Kissinger cuja conduta é o total oposto do que está expressamente escrito no testamento do Nobel.
Outra coisa também a considerar é que o prazo de candidatura para o Nobel da Paz era até 01 de Fevereiro. Alguém me pode dizer o que fez Obama até 01 de Fevereiro pela paz mundial? E se calhar devemos também esquecer o facto das três guerras que o Obama está a travar? Se calhar devemos esquecer o facto de um recente relatório que denunciava as atrocidades cometidas em Gaza aquando da última investida ter sido abafado pelo governos dos EUA? Se calhar devemos esquecer o apoio de Obama à Uribe e dos seus esquadrões da morte?

E depois temos mais no que citou o binary com o qual eu tenho vários problemas: "dinheiro que cresceu graças à invenção da dinamite, esse poderoso químico da paz". Aqui parece que o autor parece indicar uma condição antitética entre a dinamite (que hoje em dia é logo associado com guerra e destruição) e o Nobel da Paz. Mas meu caro o problema com isto é que até o Nobel morrer a dinamite não havia sido utilizada para fins bélicos. E depois mesmo que tivesse sido utilizado: o que é que uma coisa tinha a ver com a outra? Em termos formais temos aqui o exemplo de mais uma falácia. Mais uma vez estamos a dirigir a atenção para algo que não está na discussão e que tem a aparência de ser relevante, mas de facto não o é.

"E todos os anos fazem o melhor que podem" Estou disposto a apostar que o autor não faz a menor ideia se isso é verdade ou não. Uma afirmação categórica precisa sempre de ser comprovada aquando de um argumento. Quando muito isto cai na esfera do wishful thinking e como tal a relevância para a discussão é nula.

"Que lindo seria se só pudéssemos ler os escritores que ganharam o prémio Nobel ou o da Dyrup, se tiver um"
Mas alguma vez alguém disse isso? Alguma vez alguém que criticou o facto do Obama ter ganho o Nobel disse isso ou algo que pudesse levar a isso? Não! Nunca em tempo algum. Mais uma vez um tipo de straw man e como tal relevância zero para o assunto em questão.

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